(Parte 1)
Este
trabalho não pretende analisar a história da Astrologia nem a produção de alguns
de seus principais nomes, mas, para avançar, às vezes é preciso olhar para trás
e verificar que tipo de percurso foi feito – e o que o apoiou.
Desde
tempos imemoriais o ser humano adota os fenômenos celestes como indicadores confiáveis
dos eventos que se dão na Terra, sejam inanimados ou animados e, se humanos,
individuais, grupais ou coletivos.
Isto
deu origem à Astrologia, que cedo pôde se distinguir da Astronomia (razão pela qual a Astronomia não é um "aperfeiçoamento científico" da Astrologia, como há quem creia).
O
grego alexandrino Claudio Ptolomeu, por exemplo, tido como um dos primeiros
sistematizadores conhecidos do pensamento astrológico, desenvolveu duas obras
distintas com 25 anos de distância no tempo entre elas.
A
primeira obra, Almagesto, abordou em
125 a Astronomia. Seu título original, “Síntese Matemática”, passou a ser
chamado “O Grande Tratado” (do grego “Megale Syntaxis”) e, ao ser traduzido do
grego ao árabe em 870 por Ishaq bin Hunain (também responsável pela tradução do
Timeu, de Platão, do Metafísica, de Aristóteles, e do Antigo Testamento), recebeu o título “Al-Magisti” (do árabe “O
Maior”), donde a corruptela Almagesto.
Nele,
complexas fórmulas matemáticas de geometria plana e espacial buscaram definir em
13 livros (ou capítulos) distintos a esfericidade da Terra e do céu, o
geocentrismo, a imobilidade da Terra no espaço, a rotação diurna da esfera
terrestre e o tamanho e a localização dos corpos siderais conhecidos (Terra,
Lua, Sol, 5 Planetas, ou “astros errantes”, e estrelas, tidas como “fixas”).
Aproveitando
conhecimentos anteriores, como os do grego Hiparco (190-120 a.C.), e com
instrumentos rudimentares, Ptolomeu catalogou no Almagesto 48 constelações e 1.022 estrelas diferentes, 172 das
quais descobertas por ele.
Duas décadas e meia mais
tarde, por volta de 150 ele compôs o Tetrabiblos
(do grego “Quatro livros”), no qual estabeleceu: “dos meios de predição através
da astronomia, dois são os mais importantes e válidos. Um, que é o primeiro
tanto na ordem como na eficácia, é o pelo qual apreendemos os aspectos dos
movimentos do Sol, da Lua e das estrelas em relação uns aos outros e à Terra,
enquanto eles ocorrem, ao longo do tempo”.
Ou
seja, o que hoje chamamos, propriamente, “Astronomia”.
Arrematando, a
seguir: “o segundo é aquele no qual, por meio da característica natural desses
aspectos em si mesmos, investigamos as mudanças que eles trazem ao que eles
circundam”.
Isto
é, o que hoje chamamos “Astrologia”.
Mesmo
assim, no correr dos séculos Astronomia e Astrologia andaram lado a lado, até
virem a se separar definitivamente a partir dos finais do Renascimento e do início
da marcha da Ciência na Idade Moderna.
A visão de Ptolomeu,
como subsiste há milênios, já que só muito recentemente se pôde passar a
entender de outro jeito, era a de existirem relações objetivas de causa e
efeito entre fenômenos celestes e eventos terrestres: “se esses assuntos fossem
considerados desta forma, todos julgariam que necessariamente não apenas as
coisas já compostas devem ser afetadas do mesmo modo pelo movimento destes
corpos celestes, mas da mesma forma a germinação da semente deve ser moldada
e conformada à qualidade própria dos céus naquele momento” (destaque meu).
Todavia,
ele também alertou no Tetrabiblos: “não
devemos acreditar que eventos separados ocorram para a humanidade como
resultado de causa celestial, como se eles tivessem sido ordenados
originalmente para cada pessoa por um comando divino irrevogável e destinados a
acontecer sem a possibilidade de nenhuma outra causa, qualquer que seja, intervir”.
Pois,
em sua visão, e seguindo de perto Aristóteles (Ptolomeu era um aristotélico),
em toda manifestação da existência ocorre o concurso de quatro fatores de
causação: a) causa formal, b) causa material, c) causa eficiente e d) causa
final.
A causa formal
é o que faz cada coisa ser como é, isto é, a forma da coisa, por oposição à
matéria, que é a substância da coisa, a causa material. A causa
eficiente é o que age e faz a coisa ir da virtualidade (possibilidade de
existir) ao ato (fato de existir) e a causa final é a finalidade da
coisa, implícita desde o início em sua dinâmica de existência, como fator
orientador.
Ou, “enteléquia”, como Aristóteles denominava a causa final, que
de certa forma se aproxima da noção de “destino”, já que, como define o Houaiss
e fica bem fácil de compreender, enteléquia é “a realização plena e
completa de uma tendência, potencialidade ou finalidade natural, com a
conclusão de um processo transformativo até então em curso em qualquer um dos
seres animados e inanimados do universo”.
Se a obra
ptolomaica viria a ser uma das bases da Astrologia Ocidental, por intermédio de
árabes que a preservaram e enriqueceram na sua sistematização, em outras partes
do mundo se desenvolveram outros tipos de Astrologia, como, entre outras, a
chinesa e a védica hindu (ou Jyotisha).
A Astrologia
chinesa teve início por volta de 2.500 a. C., segundo pesquisadores. Como o
padrão simbólico de 12 recorria por lá também, provavelmente associado ao total
de lunações de um ano solar (igual em todo lugar da Terra), há 12 Signos (denominados
por animais) com significado modulado por 5 Elementos (Fogo, Terra, Ar, Água e
Metal) e por 2 Polaridades (Yang, ou positiva, e Yin, ou negativa).
Mas,
diferente da Astrologia ocidental, de origem mesopotâmica, um mesmo Signo pode
ser associado na Astrologia chinesa a diferentes Elementos e a ambas as
Polaridades, oferecendo uma mais ampla variação de sentidos.
Todo ano,
todo mês, todo dia e toda “hora dupla” (24 horas do dia, divididas por 12
Signos) têm início com um Elemento e um Signo, fazendo com que haja, por
exemplo, enquanto símbolo, um Rato Yang de Madeira ou um Boi Yin de Madeira, um
Tigre Yang de Fogo ou um Coelho Yin de Fogo. Por contraste, vale lembrar que na
Astrologia Ocidental, além de haver um Elemento a menos, todo Elemento é
associável apenas a uma Polaridade (Signos de Ar e Fogo são sempre Positivos, ou
Yang, e Signos de Terra e Água são sempre Negativos, ou Yin).
Por sua vez,
a Astrologia hindu védica (Jyotisha)
tem base no Rig-Veda, um dos textos mais antigos e preservados das tradições
indo-arianas (1700 a 1100 a. C.). O Rig-Veda foi compilado e apresentado ao
Ocidente pelo orientalista e mitólogo alemão Max Müller, o pioneiro sistematizador
da disciplina “Religiões Comparadas”.
É tão grande
a importância simbólica dada aos Nodos Lunares na Jyotisha, que eles praticamente têm o mesmo status dos Planetas. Mas
os Nodos Lunares, cabe lembrar, não são corpos objetivos, pois sinalizam os
locais no espaço sideral que marcam as intersecções geométricas calculadas entre
a órbita da Lua em torno da Terra e a órbita da Terra em torno do Sol.
A Astrologia
hindu védica também se construiu sobre os 7 corpos siderais vistos a olho nu e
elaborou um sistema de 12 Casas astrológicas, mas os significados neste sistema
por vezes divergem (e em muito) dos significados atribuídos pela Astrologia ocidental
(por exemplo, a Casa VI jyotisha
indica também “inimigos”, assunto próprio de Casa VII na Astrologia Ocidental,
assim como a Casa XII jyotisha indica
“viagens ao estrangeiro”, assunto que é de Casa IX na Astrologia Ocidental).
Nela, chama
atenção o sistema de “Casas derivadas”, ou Bhavat
Bhavan, no qual toda Casa pode ser a primeira Casa de um novo sistema de
Casas e, assim, dar base à leitura de significados encadeados em sucessão
(derivados).
Por exemplo,
a Casa V de uma Carta natal denota Filhos. Se tomarmos a Casa V como a primeira
Casa de um novo sistema de Casas, a Casa XI desta mesma Carta (Casa VII a
contar da Casa V) indicará o perfil geral da esposa do Filho simbolizado pela
Casa V. Ainda neste caso, a Casa XII da Carta natal será a Casa II da Casa VII
a contar da Casa V e, deste modo, simbolizará os predicados desta esposa, no
tocante a bens e posses materiais, mas também quanto à aparência de seu rosto
(assunto de Casa II, na Jyotisha).
Por fim, para
encerrar este ligeiríssimo sobrevoo sobre distintas Astrologias, cabe ver o que
é denominado Partes (ou Lotes) Árabes, embora não sejam de origem árabe e, sim,
apenas tenham sido mais bem sistematizadas por astrólogos como o persa Ahmad al-Biruni
(973-1048), pois Marcus Manilius e Vettius Vallens, astrólogos contemporâneos
de Ptolomeu, já as estudavam.
A Parte Árabe
comumente mais conhecida (há dezenas de outras) é a chamada “Roda da Fortuna”,
que se calcula a partir da relação geométrica entre Sol, Lua e Ascendente no
Zodíaco (variando a fórmula conforme a hora de nascimento, se diurna ou noturna).
Assim como os Nodos Lunares, todas as Partes não se referem a nada de base
objetiva (como os corpos siderais), mas a alguma relação matemática entre pontos
de diferentes fatores zodiacais.
O que foi
visto até aqui, em meio a tanta diversidade simbólica?
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